VOCÊ É MACUMBEIRO?
Difícil encontrar um adepto da Umbanda ou Candomblé que não tenha tido que responder a essa pergunta. Muitos inclusive, se ofendem, e com razão, pois a pergunta vem carregada de preconceito e discriminação. Já no meio em que vivem os adeptos das religiões de matriz africana, tratarem-se dessa forma, é normal, pois sabem perfeitamente o que significa ser macumbeiro.
Existem vários estudos sobre a origem da palavra macumba, dentre eles, citaremos alguns:
1-Árvore da família da famosa jequitibá, considerada sagrada para o povo africano. De sua madeira se produz um instrumento de percussão, que leva o mesmo nome. Este instrumento é semelhante ao reco-reco, e que era muito usado nos rituais de adoração aos Orixás, que eram feitos sob a copa desta árvore. No entanto, muito além dessas definições, a macumba é sim um culto, uma forma bem similar às práticas da Umbanda atual. Pra que a gente entenda melhor, vamos lá: logo após a abolição da escravidão, bem sabemos que a maioria dos negros ficaram sem emprego e consequentemente sem comida e lugar para viver. Daí, a única coisa que tinham para superarem tanta miséria era usar seus conhecimentos de magia, para atenderem aos interesses dos homens e mulheres brancos, que os procuravam para pedir todo tipo de magia, pagando com altas quantias pelos trabalhos realizados. Esses trabalhos de magia, tinham várias finalidades: cura de doenças, amarrações, vinganças, pedidos de proteção, melhorias nas plantações e colheitas, livramento de pragas e doenças em suas plantações e criações de animais, sorte em jogos de azar, brigas por disputa de terras, e uma infinidade de magias que os negros manipulavam com muita astúcia e sabedoria.
Dentre vários significados da macumba, considerando a diversidade da língua banto, Nei Lopes, profundo conhecedor do assunto e autor do dicionário banto do Brasil, afirma que kumba vem do quicongo e significa feiticeiro e o prefixo ma, forma o plural, ou seja: macumba, a reunião de feiticeiros.
Já o grande filósofo e etimólogo Antenor Nascentes, afirma que macumba vem do quimbundo dikumba, que significa cadeado ou fechadura, fazendo alusão aqui aos rituais secretos de fechamento de corpo.
Logo, macumba pode designar um instrumento, uma árvore, como também uma cerimônia religiosa.
“Macumbeiro: definição de caráter brincante e político que subverte sentidos preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo repudiado e admite as impurezas, contradições e rasuras como fundantes de uma maneira encantada de encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas. O macumbeiro reconhece a plenitude da beleza, da sofisticação e da alteridade entre as gentes. A expressão ‘macumba’ vem muito provavelmente do quicongo kumba, ‘feiticeiro’. Kumba também designa os encantadores das palavras, poetas. Macumba seria, então, a terra dos poetas do feitiço; os encantadores de corpos e palavras que podem fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência e “descacetamento” urgente pela radicalidade do encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular de morte.” Luiz Antonio Simas -Rio de Janeiro, 1967 é um historiador que se dedica sobre tudo às culturas populares do Brasil. É autor de, entre outros livros, O corpo encantado das ruas (Civilização Brasileira, 2019), Dicionário de história social do samba (José Olympio, 2015), com Nei Lopes, e Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas, com Luiz Rufino (Mórula, 2018).
Vocês então, podem imaginar as reações das igrejas predominantes da época. Trataram logo de demonizar a macumba e a perseguirem seus seguidores, expondo-os a todo tipo de escárnio e torturas.
Não adiantou, os macumbeiros continuam vivos e praticando seus ritos.
Entendam que ser macumbeiro é ser feliz, é carregar em si uma força que incomoda aos hipócritas e infelizes, é ser livre para decidir sobre sua vida, assumindo as consequências de seus atos.
Ser macumbeiro é fazer o bem, e não permitir que lhe façam mal. É se proteger através da dança, das palmas, da fumaça do defumador, do charuto dos Caboclos e Exus. É se sentir abençoado ao beijar a mão de um Preto Velho, ao abraçar um Caboclo, ao brincar com uma criança, ao receber uma rosa da Pomba Gira, ao beber um gole da marafo do Boiadeiro e do Baiano.
Ser Umbandista, é ser macumbeiro sim! Afinal, nossa religião veio por eles, o povo banto, arrancado da Angola e outros países da África, e temos a obrigação de respeitar a história de sacrifícios e martírios que viveram, para que hoje possamos cultuar nossa fé com liberdade e respeito. Temos em nossa formação, o legado de um povo conhecedor dos mistérios de Deus, e que através desses conhecimentos, possibilitaram o surgimento da Umbanda, uma religião que é anunciada em novembro de 1908, através do Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado no médium de 17 anos de idade, Zélio Fernandino de Moraes. Na realidade, a Umbanda continua sendo macumba. Considerando, que a Igreja Católica, à época, não deu nenhum acolhimento aos negros libertos, a Umbanda, já no século XX, surge não só para acolher essas pessoas, mas também para dar legitimidade ao seu culto. Lembrando aqui, que Zélio era um rapaz branco, de família tradicional católica e respeitada de classe média e com influência Espírita, o que facilitou a aceitação de grande parte da sociedade e das autoridades.
A Umbanda, é antes de tudo, respeito e honra à memória dos nossos antepassados. E pra isso, devemos viver de acordo com aquilo que aprendemos com eles: luta, verdade, determinação, coragem e amor pela vida em toda sua extensão.
É certo que ainda existe muito preconceito em relação a este tema, inclusive no próprio meio umbandista. Acredito, que por conta da falta de conhecimento, ainda associam macumba, a tudo que é do mal. Ledo engano!
Quem é filho da macumba, macumbeiro é, e merece respeito! Vivemos num país onde a liberdade de culto nos é garantida, e devemos lutar com determinação e dignidade, para que todo sacrifício dos nossos macumbeiros, não tenha sido em vão.
Saravá Umbanda!
Saravá Macumba!
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