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PEMBA: O RISCO DA FÉ!

Foto do escritor: Luiz de MirandaLuiz de Miranda

Pemba branca

“Umbanda tem fundamento, e é preciso preparar”; já diz uma curimba cantada nos Terreiros, desde sempre.

         Hoje, vamos conhecer um pouco sobre o uso da pemba:

         Sabe-se que a pemba e seu uso vieram com os negros bantus escravizados, trazidos para o Rio de Janeiro.

         Na África, só os Sacerdotes anciãos que presidiam o ritual de confecção das pembas, feitas por moças virgens, que faziam jejum absoluto por três dias, onde só o uso do cachimbo sagrado era autorizado. Nesse período, enquanto preparavam e moldavam as pembas, eram entoados cânticos em honra e agradecimento à virgem Mpemba, para que toda Sua graça e proteção abençoasse aquele trabalho, que consistia numa mistura de caulim (argila de cor branca) e pós resultantes da torra e trituração de sementes como a noz-moscada, fava de Aridan e Alibé, Dandá da Costa, Ataré (pimenta da costa), Obi e Orobô. Esta seria a pemba original, aquela que é usada para proteger as Casas e membros de uma comunidade.

         É através da pemba, que as Entidades de Umbanda desenham seus pontos de firmeza, contam suas histórias e criam um escudo de defesa contra ataques de forças negativas.

         Outras vezes, com a pemba na mão, a Entidade pode cruzar o corpo de um filho, a fim de protegê-lo das doenças e morte mandadas. Cruzando sua cabeça, numa determinada Gira, a Entidade está fortalecendo o kamutuê (ori), para que haja uma incorporação firme. Cruzando o coração, está se pedindo para que o amor destrua toda força do mal, tal qual aconteceu com a virgem Mpemba.

         Sabe-se, que as pembas encontradas hoje em dia nas lojas são feitas de calcáreo, sem nenhum material considerado de fundamento para a Umbanda. No entanto, uma pemba adquirida nessas lojas, ao ser tocada por uma Entidade, se torna  uma grande condutora de energia.

         Lembro aqui, que a Pemba sem ser consagrada e devidamente preparada, nada mais é do que um giz. E para consagrá-la é necessário que se conheça as ervas da Entidade ou Orixá, que vai receber esta pemba.

         “Diz amor a Pemba, diz amor a Pemba. Firma Terreiro de meu Pai Ogum!”. Nesta curimba, exalta-se o poder da Pemba firmando e protegendo o Terreiro de Umbanda.

         A Pemba é um dos maiores símbolos, se não, o maior símbolo da Umbanda; pois ela representa a resistência dos perseguidos e marginalizados. A lenda da sua criação nos remete ao poder do amor desfazendo o ódio, o bem garantindo a harmonia e a felicidade. De formato cônico arredondado, representa ainda a ligação entre o mundo espiritual e o material.

 Conhecer a Lenda da Mpemba é importante para entender o poder desse objeto nos rituais de Umbanda.

A origem do nome, Pemba, vem da lenda africana referente ao monte Kabanda e as águas do rio Usil, tidos como sagrados pelas tribos Bacongo e Congo.

 

Uma lenda:


 Em um dos muitos lugares da África há muito tempo existiam vários montes formados de um pó branco, esses montes ficaram conhecidos como montes kabanda. Aos pés dos montes Kabanda banhados pelo rio sagrado surgiram várias aldeias que viriam a formar o reino de sobá Liutabi um homem forte corajoso que reinava com grande autoridade. Os homens e as mulheres da aldeia trabalhavam bastante pelo bem de todos e pelo bem coletivo. Logo pela manhã, algumas pessoas iam para a machamba (roça onde era plantado o milho a mandioca o inhame e o feijão). Enquanto as outras pessoas pescavam ou apanhavam água do rio sagrado. Entre essas pessoas estava a filha do rei, uma linda moça chamada Mipemba ou Npmeba) muito querida pelos habitantes das aldeias. Mipemba era gentil e alegre espalhava o amor e a felicidade a todos que conviviam com ela. Era também dona de beleza incrível, os cabelos faziam uma moldura no seu rosto negro, e como um jamelão, seus olhos eram brilhantes como estrelas.

Justamente por ser tão linda e encantadora, seu destino era ser preservada em homenagem aos ancestrais que regiam e protegiam o reino Liutabi.  Mipemba costumava trabalhar com as outras mulheres na produção de potes de barro que armazenavam a água e os alimentos. Todas as tardes após terminar o seu trabalho ia se banhar no rio sagrado. Certa tarde um jovem viajante seguia pelas margens do rio sagrado quando avistou Mipemba. Sentiu-se maravilhado com tamanha beleza e nesse mesmo instante Mipemba sentindo-se observada, percorreu a margem do rio com seus olhos de estrelas. Sem nada avistar, não sentiu medo e sim um suave calor no coração. O jovem seguiu seu caminho e ao chegar na entrada de uma das aldeias do reino de Liutabi foi recepcionado por um grupo de crianças. Ainda maravilhado com a beleza de Mipemba descreveu a moça e perguntou as crianças se sabiam de quem se tratava. Uma das crianças lhe revelou que a dona de tal beleza e encanto era filha do rei prometida aos ancestrais. Decepcionado, o jovem apaixonado se contentou em apenas observá-la a beira do rio todas as tardes, escondido sem se revelar. Nos dias que se sucederam quando se banhava no rio sagrado, Mipemba sentia aquele calor no coração, porém nada avistava. Certa manhã, disposta a esclarecer o mistério, Mipemba não foi diretamente ao rio; ela deu a volta pela floresta e avistou o jovem viajante. Seus olhares se encontraram e nesse momento o calor que Mipemba sentia no coração tomou todo seu corpo e ela percebeu-se apaixonada. Sabendo da impossibilidade desse amor, num misto de infelicidade e sofrimento, o encontro dos seus olhos selaram um pacto de fidelidade. Todos os dias Mipemba ansiava pelo fim da tarde pois sabia que o jovem forasteiro lá estaria a observando, fazendo-a sentir aquele calor no coração. Depois de certo tempo o jovem não mais contente de apenas observá-la, decidiu declarar ao rei o amor que sentia por sua filha. Ao ouvir o jovem, o rei ficou furioso e ordenou que partisse imediatamente dizendo-lhe que se descumprisse sua ordem seria atirado aos crocodilos que moravam no rio sagrado.

Entretanto, a força do amor era maior que o temor que poderiam sentir. Mipemba e o jovem resolveram se encontrar pela última vez sob a luz do luar antes da partida.

Nessa noite quando a aldeia se aquietou e todos dormiram, Mipemba dirigiu-se ao rio para o último encontro com seu amado. O que ela não imaginava é que o rei que se preocupava com o destino do povo das aldeias, caso as promessas feitas aos ancestrais fosse descumprida, havia ordenado aos guerreiros que seguissem os passos da filha. Quando os guerreiros chegaram às margens do rio sagrado avistaram Mipemba que tinha um ar de felicidade enquanto se banhava. Desconfiados, eles vasculharam as margens do rio e surpreenderam o jovem. Imediatamente cumpriram a ordem do rei, degolaram o rapaz e lançaram seu corpo no rio sagrado para que os crocodilos o devorassem Mipemba ao saber do acontecido desesperou-se de tal maneira que se lançou aos pés dos montes Kabanda e esfregou seu corpo e seu rosto com aquele pó na tentativa de sentir uma dor que superasse a ausência de seu primeiro amor. Porém, nada adiantou e na esperança de sentir novamente o calor do amor em seu coração foi banhar-se no rio sagrado. Por um milagre, Orunmilá, a divindade responsável pelo portal do destino apiedou-se de Mipemba e ordenou que os ancestrais protetores do reino a recolhessem. Os guerreiros assistiram assombrados quando o corpo de Mipemba ao mesmo tempo que se elevava em direção aos céus, transformou-se em pó. E esse pó ao atingir as águas do rio sagrado formavam uma grande massa branca. Enquanto um dos guerreiros sagrados correu para avisar o rei, os outros na tentativa de apanhá-la tiveram suas mãos e corpos ungidos pela massa branca formada pelo corpo de Mipemba. Quando o rei acompanhado por uma multidão chegou e viu o que estava acontecendo, partiu furioso para punir os guerreiros. Um deles na tentativa de se defender tocou seu corpo com as mãos ungidas pela massa branca. Nesse momento a ira do rei se esvaiu, foi toda embora e ele não castigou os guerreiros. As pessoas que assistiram a cena perceberam que aquela massa branca formada pelo corpo de Mipemba e a água do rio sagrado traziam o bem. A partir de então, tornou-se tradição passá-la nas casas, nos corpos e nos objetos, para afastar o mal e atrair o amor, a felicidade e a harmonia. A fama dos efeitos da massa branca deixada por Mipemba se espalhou de geração e geração entre os povos de várias partes da África. Hoje, conhecida apenas como pemba e usada em ocasiões importantes, essa crença atravessou o oceano atlântico, chegou no Brasil e está viva até hoje.


(Lenda transcrita do Livro A Lenda da Pemba de Marcia Regina da Silva)

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SUA FÉ É RESPEITADA?

          No ano de 1990, meses antes de perder sua irmã de 29 anos de idade para um adenocarcinoma no mediastino, o Pai no Santo passa por uma experiência extremamente desagradável e revoltante, que bem retrata o racismo religioso no Brasil. Isso aconteceu no Iaserj, um hospital para os servidores do Estado do Rio de Janeiro. Era por volta das dezesseis horas. Enquanto acompanhante da irmã, ele decide ir tomar café num bar próximo ao hospital e retorna vinte minutos depois. Tempo que foi suficiente para um pastor entrar no quarto e oferecer uma oração. Voltando então do seu café, ele encontra a irmã que já vinha extremamente debilitada por conta da doença, agora, com semblante ainda mais triste e constrangido. Ele então procura levar palavras de consolo e ânimo, ao que ela responde: “_ Meu irmão, por favor, não quero que esse tipo de religioso venha fazer oração pra mim.” Ele de imediato, pergunta:  “_ O que houve?” Ela então relata o ocorrido: “_ Quando você saiu para tomar seu café, um homem de terno se apresentou como pastor da igreja universal e me perguntou se podia fazer uma oração pra mim, Como ele parecia ser uma boa pessoa e foi muito educado, eu disse que sim. Ele fez a oração, pediu pela minha saúde, e em seguida me perguntou se eu aceitava Jesus Cristo como salvador, e eu respondi que sim. Ele então disse que a partir daquele momento eu estava curada. Só que ele então perguntou qual era minha religião, o que eu respondi, que era espírita. Então ele me disse que eu teria que renegar minha religião. Eu disse que não, jamais iria renegar minha fé. Daí ele falou que infelizmente o câncer voltaria e me levaria pros braços da morte. Eu disse a ele que preferia morrer, a ter que conviver com cristãos como ele. Não quero irmão, não quero esse tipo de gente fazendo oração pra mim.”

            Em outra ocasião, anos depois, o racismo e a intolerância religiosa voltam a atacar o Pai no Santo. Dessa vez, no Hospital Regional Darci Vargas, em Rio Bonito. Indo visitar um Filho de Santo na Unidade Intensiva, o Pai no Santo se depara com uma senhora que estava ao lado do leito de seu filho perguntando se podia fazer uma oração. Como o doente estava sob efeito de fortes medicamentos, não tinha condições de responder; o que fez com que a mulher iniciasse a sua oração. Em voz alta e de tom feroz, ela dizia: “ _ Em nome do Senhor Jesus eu expulso os demônios de Pombagira, Exu, Ogum e todos os demônios dos tambores, das encruzilhadas... .” quando então foi interrompida pelo Pai de Santo; gerando na mulher um comportamento agressivo e ameaçador. Dizia ela, agora em tom mais elevado de voz: “_ Você não pode querer calar a voz de uma ministra de Deus. Seus demônios serão jogados por terra... .” quando então o Pai no Santo pediu ao funcionário responsável pela vigilância da Unidade, que retirasse a mulher do ambiente. No que foi prontamente atendido.

            Esses são dois exemplos dos milhares de outros que acontecem todos os dias, atingindo seguidores das religiões de matriz afro-brasileira. E não é à toa, afinal, não faltam umbandistas que se silenciam diante de tais fatos, e como se não bastasse o silêncio, ainda permitem que seguidores de outras religiões lhes imponham sua fé como sendo superior as demais.

            O Umbandista de fato, sabe sua origem, conhece seus Santos, suas rezas, seus cantos e louvores. Não é de hoje que a Umbanda se livrou do peso do sincretismo, dos santos que nunca foram seus, dos ritos e rituais que nunca lhes pertenceram. O Umbandista de fato, sabe a quem recorrer nas horas de aflição e desespero, e não precisa que outro religioso venha em seu socorro para rezar ou orar. Sim, não precisa! Sabe por quê? Porque o Umbandista sabe que aquela pessoa não está oferecendo uma oração para aliviar teu sofrimento. De forma dissimulada, ela quer que o Umbandista negue sua religiosidade, abandone seus Guias e Orixás. Como pode uma pessoa que frequentemente está na igreja ouvindo e dando glórias a voz de um padre ou pastor, e que não mede palavras para demonizar a Umbanda, orar por quem é Umbandista? De que vale uma oração que sai da mesma boca que chama nossos Santos de demônios?

            O Umbandista de fato, sabe o poder de seus Santos, o sangue que derramaram, o suor sofrido e causticante ardendo na pele preta, o fogo impiedoso das fogueiras da inquisição, a lâmina cortante e afiada das guilhotinas. O Umbandista de fato, sabe que seus ancestrais e antepassados morreram para garantir a liberdade aos seus  descendentes. Trazidos à força e amontoados nos navios negreiros, chegam ao Brasil e são obrigados a se batizarem do lado de fora das Igrejas, porque de acordo com as interpretações bíblicas, o preto era um ser sem alma, amaldiçoado...

            Quando um Umbandista respeita outras manifestações religiosas, não quer dizer que ele tenha que se subjugar. Os Santos da Umbanda também têm suas histórias, sua cultura, suas bênçãos e seus poderes.

            Seu Orixá está vivo e pulsante em você. Não deixe que o matem!

                                                                                                   (Luiz de Miranda-Pai no Santo)

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