Quando falamos em Umbanda, é preciso ter muito cuidado e atenção. Devemos antes de tudo, buscar um pouco da história dos nossos ancestrais, entendendo que nossa religião, se é que assim podemos chamar a Umbanda, não centraliza o poder a uma pessoa exclusivamente, impondo uma verdade absoluta. Tomado por uma licença poética, resolvo intitular Luzia Pinta, a avó da Umbanda. A Umbanda vai se formando dentro de um processo coletivo de resistência e permanência. E dentro desse processo, nos deparamos com vários nomes de homens e mulheres alforriados, que desde o século XVIII realizavam rituais em espaços domésticos das casas e fazendas, realizando curas através de consultas dadas pelos seus antepassados. Dentre esses nomes, estão: José Cabinda, Juca Rosa, Mãe Catharina, Magdalena e tantos outros. Esse ritual consistia em danças ao som de atabaques, que estimulavam o transe dos médiuns, chamado de Calundu.
Um nome se destaca nesse contexto: Luzia Pinta, a qual não se sabe com precisão a data de seu nascimento. Mas, é sabido que teria partido do Porto de Luanda, Angola, ainda menina. E em 1718 conseguiu sua alforria. Desde então, passou a viver numa pequena propriedade em Sabará, Minas Gerais; onde inclusive, recentemente foi encontrado um documento que comprova que ela comprou sua própria liberdade. Através do Calundu, Luzia Pinta atendia várias pessoas de diferentes classes sociais e cor, que a procuravam para cura de distúrbios mentais, perturbações espirituais, doenças de ordem física como tuberculose, varíola, lepra, entre outras. E ainda buscavam a possibilidade de encontrar objetos perdidos, revelar se um acusado de um crime era culpado ou inocente, e todo tipo de orientações para suas dúvidas e incertezas.
No entanto, era sabido que tais práticas eram veementemente condenadas não só pelos agentes da Inquisição, mas também por párocos e missionários, que ao mínimo sinal dessas práticas, tratavam logo de apresentar denúncia às autoridades eclesiásticas. E Luzia Pinta, não escapou: em 1739 foi denunciada como feiticeira, e presa. No ano de 1742, foi enviada a Portugal para ser julgada pelo Tribunal de Inquisição de Lisboa. Em 12 de agosto de 1743, foi submetida a uma sessão de tortura no calabouço do “Santo Ofício”, tendo seu vestido arrancado e levada a se deitar num potro (estrado de madeira com saliências pontiagudas) tendo seu corpo amarrado com correias de couro, sendo comprimido contra as pontas do potro.
Apesar de todo sofrimento, Luzia escapou da morte. Mas, foi exilada em Algarve, região de Portugal, para nunca mais dela se ter notícias.
Luzia Pinta, assim como tantos outros e outras que fazem parte da história dessa que hoje chamamos de Umbanda, é o exemplo de uma gente determinada a deixar pra seus descendentes um legado de fé e resistência. Nunca foi fácil, foi preciso muita coragem, fé, astúcia, sabedoria... foi preciso resistir, pra fazer existir e permanecer.
Salve os Calundus, os Catimbós, as Juremas Sagradas, Tambores de Mina, Xangôs de Pernambuco, Quimbandas e Macumbas; que muito além de nomes dados por antropólogos europeus que não tinham capacidade para perceber a grandeza espiritual, científica, ritualística e várias expressões de conhecimentos africanos e indígenas; faz-se necessário lembrar que pouco importa o nome dado a todo esse universo de saberes ancestrais, mas sim, aos trabalhos que cada um realiza nos seus espaços.
A Luzia Pinta, importante ancestral da Umbanda, nossa eterna gratidão e reverência. Saravá!
Luzia Pinta: a avó da Umbanda
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