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MULHERES NEGRAS QUE MARCARAM A HISTÓRIA DO BRASIL (V)

Foto do escritor: Luiz de MirandaLuiz de Miranda
Foto ilustrativa de Aqualtune

AQUALTUNE: A PRINCESA DE PALMARES

Contar a história da princesa do reino do Kongo, Aqualtune, é retraçar a genealogia da resistência africana no Brasil.

O reino de Portugal desejava o controle do território de Mbwila devido à importante passagem para minas de ouro e prata. Assim, inflamou os conflitos locais entre os reinos do Kongo e do Ndongo, para assim obter vantagens sobre o enfraquecimento de ambos e ter êxito no controle do território.

Mapa do reino do Kongo

O manikongo (rei) Nvita-a-Nkanga fez frente às forças coloniais portuguesas e no episódio que ficou conhecido como Batalha de Mbwila, Aqualtune, princesa e irmã do rei, tornou-se uma guerreira notável por conduzir à guerra 10 mil homens das forças kongolesas incansavelmente. Devido à superioridade militar dos Yaka, utilizados pelos portugueses como mercenários durante a guerra insuflados por desavenças antigas com o reino do Kongo, os kongoleses são derrotados. As perdas kongolesas são muito significativas e incluem o manikongo, morto e decapitado e seu filho, herdeiro do trono sequestrado, além de milhares de camponeses que haviam defendido seu reino na guerra.

Ilustração de expedições católicas no reino do Kongo

Aqualtune Ezgondidu Mahamud, filha do já falecido manikongo Nkanga a Lukeni a Nzenze a Ntumba e irmã do manikongo morto na Batalha de Mbwila, é sequestrada e levada ao Castelo de São Jorge da Mina no atual Gana, por onde passaram milhares de africanos escravizados para embarque em navios negreiros, marcada com uma flor no seio esquerdo à ferro e vendida como escrava pelos portugueses. Chegando ao Recife, tentou voltar à sua terra correndo por sobre as águas e não tendo sucesso foi vendida ao senhor do engenho de Porto Calvo no leste do estado de Alagoas, um dos primeiros locais a serem habitados por portugueses no Brasil.

Por apresentar um típico físico forte e muito saudável, foi determinada para a função de reprodução, sendo forçada assim à sucessivos estupros por outros homens escravizados visando o fim de aumentar os lucros dos senhores de engenho, que vendiam as crianças. Percebendo a admiração dos demais escravizados à princesa e conhecendo sua origem, o senhor entrega Aqualtune aos piores homens da fazenda, com objetivo de fazer findar sua reputação e honra.

A princesa da Dinastia de Nlanza fica então sabendo da existência de um quilombo localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas. Grávida, Aqualtune organiza uma fuga com direção ao quilombo e consigo na fuga leva mais de 200 pessoas. É recebida com honrarias e por sua origem nobre garante o direito de governar um dos mocambos que constituía Ngola Janga, conhecida como Quilombo dos Palmares.

Serra da Barriga, Município de União dos Palmares (AL)

Ngola Janga torna-se um dos quilombos mais prósperos da história do Brasil, chegando a contar em seu auge com 30 mil pessoas vivendo nos mocambos. O centro político de Ngola Janga, o mocambo do Macaco, abrigava o equivalente a população das maiores cidades brasileiras na época. As tradições africanas eram resguardadas, a organização política e militar eram complexas tal qual nos reinos africanos.

Parque Memorial do Quilombo dos Palmares (AL)

A princesa Aqualtune deu à luz a vários filhos, dentre eles Ganga Zumba e Ganga Zona, governantes muito prestigiados na história de Angola Janga e também Sabina, que viria a ser a mãe de Zumbi dos Palmares, um dos mais reconhecidos heróis nacionais que deu origem ao Dia da Consciência Negra.

Ilustração de Zumbi dos Palmares, neto da princesa Aqualtune

Conta-se que a princesa tornou-se ancestral e conduziu espiritualmente os guerreiros de Ngola Janga até a destruição do quilombo com a morte de Zumbi.

Ngola Janga resistiu mais de um século aos ataques coloniais e tornou-se o maior símbolo da organização e resistência africana no Brasil.

// Texto por Morena Mariah, africana da diáspora brasileira, integrante do Ciclo Mulherismo Afreekana e graduanda em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense.

O significado do nome Aqualtune: guerreira estrategista*

(*) nota do Blog


Dandara

DANDARA DOS PALMARES:

Dandara, mulher negra e guerreira é um dos principais nomes da luta negra no Brasil. Teve papel fundamental na construção e comando do quilombo dos Palmares, um dos marcos da resistência contra o regime escravocrata brasileiro, que existiu e resistiu como quilombo por mais de 100 anos.

No quilombo de Palmares, Dandara participou do estabelecimento do primeiro estado livre nas terras da América, um estado africano pela forma como foi organizado e pensado, tanto do ponto de vista político quanto militar, sociocultural e econômico.Companheira de Zumbi, Dandara foi mãe de Aristogíton, Harmódio e Motumbo. 

Sua vivência enquanto mulher negra e de luta lhe caracterizou a alcunha de guerreira, visto que, além de dominar técnicas de capoeira, também lutou junto aos cerca de 30 mil aquilombados, comandando o exército palmarino. Em Palmares teria chegado menina, tendo participado além da resistência, nas atividades cotidianas como caça e agricultura.

Não há registros da origem de Dandara. Sua ascendência e local de nascimento são incógnitas, mas acredita-se que tenha nascido no Brasil e se estabelecido em Palmares ainda nova.

Sempre guiada pelo ideal de liberdade e em defesa do Quilombo que durou mais de 100 anos, Dandara foi contrária a um tratado de paz proposto pelo Governo Português, por encontrar nele caminhos para a volta da escravidão. Dandara sabia que o tratado poderia significar o fim do Quilombo e o retorno da escravização de sua comunidade assim, não se vendeu em troca de uma liberdade incompleta e manteve-se firme em sua ideologia até seus últimos dias.

Dandara dos Palmares é mais uma mulher negra apagada pelo machismo e racismo, sua vivência negava o lugar social destinado para as mulheres e negras tanto na época em que viveu como hoje em dia, sua luta contra as raízes da opressão traziam extremo incômodo para a sociedade. A líder e guerreira tem sua imagem frequentemente lembrada sob a sombra de seu marido, Zumbi.

Há relatos de que ela tenha se suicidado, pulando em uma pedreira após ser capturada em 06 de fevereiro de 1694. Preferia a morte a voltar a ser escrava. Se vivesse nos tempos atuais, provavelmente incomodaria muitas pessoas que se negam a enxergar o machismo racista estruturante da sociedade.

Apesar das lacunas na sua história e imagem, Dandara vive em cada um de nós que luta por liberdade e por uma vida mais digna e justa.





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SUA FÉ É RESPEITADA?

          No ano de 1990, meses antes de perder sua irmã de 29 anos de idade para um adenocarcinoma no mediastino, o Pai no Santo passa por uma experiência extremamente desagradável e revoltante, que bem retrata o racismo religioso no Brasil. Isso aconteceu no Iaserj, um hospital para os servidores do Estado do Rio de Janeiro. Era por volta das dezesseis horas. Enquanto acompanhante da irmã, ele decide ir tomar café num bar próximo ao hospital e retorna vinte minutos depois. Tempo que foi suficiente para um pastor entrar no quarto e oferecer uma oração. Voltando então do seu café, ele encontra a irmã que já vinha extremamente debilitada por conta da doença, agora, com semblante ainda mais triste e constrangido. Ele então procura levar palavras de consolo e ânimo, ao que ela responde: “_ Meu irmão, por favor, não quero que esse tipo de religioso venha fazer oração pra mim.” Ele de imediato, pergunta:  “_ O que houve?” Ela então relata o ocorrido: “_ Quando você saiu para tomar seu café, um homem de terno se apresentou como pastor da igreja universal e me perguntou se podia fazer uma oração pra mim, Como ele parecia ser uma boa pessoa e foi muito educado, eu disse que sim. Ele fez a oração, pediu pela minha saúde, e em seguida me perguntou se eu aceitava Jesus Cristo como salvador, e eu respondi que sim. Ele então disse que a partir daquele momento eu estava curada. Só que ele então perguntou qual era minha religião, o que eu respondi, que era espírita. Então ele me disse que eu teria que renegar minha religião. Eu disse que não, jamais iria renegar minha fé. Daí ele falou que infelizmente o câncer voltaria e me levaria pros braços da morte. Eu disse a ele que preferia morrer, a ter que conviver com cristãos como ele. Não quero irmão, não quero esse tipo de gente fazendo oração pra mim.”

            Em outra ocasião, anos depois, o racismo e a intolerância religiosa voltam a atacar o Pai no Santo. Dessa vez, no Hospital Regional Darci Vargas, em Rio Bonito. Indo visitar um Filho de Santo na Unidade Intensiva, o Pai no Santo se depara com uma senhora que estava ao lado do leito de seu filho perguntando se podia fazer uma oração. Como o doente estava sob efeito de fortes medicamentos, não tinha condições de responder; o que fez com que a mulher iniciasse a sua oração. Em voz alta e de tom feroz, ela dizia: “ _ Em nome do Senhor Jesus eu expulso os demônios de Pombagira, Exu, Ogum e todos os demônios dos tambores, das encruzilhadas... .” quando então foi interrompida pelo Pai de Santo; gerando na mulher um comportamento agressivo e ameaçador. Dizia ela, agora em tom mais elevado de voz: “_ Você não pode querer calar a voz de uma ministra de Deus. Seus demônios serão jogados por terra... .” quando então o Pai no Santo pediu ao funcionário responsável pela vigilância da Unidade, que retirasse a mulher do ambiente. No que foi prontamente atendido.

            Esses são dois exemplos dos milhares de outros que acontecem todos os dias, atingindo seguidores das religiões de matriz afro-brasileira. E não é à toa, afinal, não faltam umbandistas que se silenciam diante de tais fatos, e como se não bastasse o silêncio, ainda permitem que seguidores de outras religiões lhes imponham sua fé como sendo superior as demais.

            O Umbandista de fato, sabe sua origem, conhece seus Santos, suas rezas, seus cantos e louvores. Não é de hoje que a Umbanda se livrou do peso do sincretismo, dos santos que nunca foram seus, dos ritos e rituais que nunca lhes pertenceram. O Umbandista de fato, sabe a quem recorrer nas horas de aflição e desespero, e não precisa que outro religioso venha em seu socorro para rezar ou orar. Sim, não precisa! Sabe por quê? Porque o Umbandista sabe que aquela pessoa não está oferecendo uma oração para aliviar teu sofrimento. De forma dissimulada, ela quer que o Umbandista negue sua religiosidade, abandone seus Guias e Orixás. Como pode uma pessoa que frequentemente está na igreja ouvindo e dando glórias a voz de um padre ou pastor, e que não mede palavras para demonizar a Umbanda, orar por quem é Umbandista? De que vale uma oração que sai da mesma boca que chama nossos Santos de demônios?

            O Umbandista de fato, sabe o poder de seus Santos, o sangue que derramaram, o suor sofrido e causticante ardendo na pele preta, o fogo impiedoso das fogueiras da inquisição, a lâmina cortante e afiada das guilhotinas. O Umbandista de fato, sabe que seus ancestrais e antepassados morreram para garantir a liberdade aos seus  descendentes. Trazidos à força e amontoados nos navios negreiros, chegam ao Brasil e são obrigados a se batizarem do lado de fora das Igrejas, porque de acordo com as interpretações bíblicas, o preto era um ser sem alma, amaldiçoado...

            Quando um Umbandista respeita outras manifestações religiosas, não quer dizer que ele tenha que se subjugar. Os Santos da Umbanda também têm suas histórias, sua cultura, suas bênçãos e seus poderes.

            Seu Orixá está vivo e pulsante em você. Não deixe que o matem!

                                                                                                   (Luiz de Miranda-Pai no Santo)

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