Ao falarmos de ancestralidade na Umbanda, estamos falando daqueles que vieram muito antes de nós e dos nossos, os que prepararam todo caminho, abrindo portas, lutando por direitos, assegurando a justiça, curando doenças, enfrentando preconceitos e até mesmo entregando suas próprias vidas para se manterem fiéis aos seus princípios e valores. Homens e mulheres negros e negras que passaram por essa Terra deixando legados importantes para nosso crescimento e aperfeiçoamento. Afinal, tudo que hoje usufruímos com facilidade, é resultado do trabalho duro e exaustante dessas pessoas que não abriram mão de suas convicções e de suas verdades, para garantirem um futuro melhor a cada um de nós, seus descendentes.
Quando adoecemos e os médicos não conseguem fazer um diagnóstico preciso da doença que nos acomete, recorremos ao Orixá Omolu, o ancestral das doenças e da cura. Através dele, receberemos o amparo de médicos ancestrais, que trabalharam para a descoberta de doenças de difícil diagnóstico e consequentemente o remédio para sua cura. Até onde a ciência vai em termos de cura de doenças, é até aonde os ancestrais da medicina até o momento conseguiram chegar. Muito ainda precisa ser feito, mas não podemos esquecer de tudo que já foi realizado em termos de cura das doenças, até então, incuráveis: hanseníase (lepra), tuberculose, aids, vários tipos de câncer ...
Quando nos vimos diante da terrível pandemia da covid-19, recorremos ao Orixá Oxóssi, o ancestral cientista, o pai do conhecimento e das grandes descobertas científicas. Através Dele, ancestrais cientistas nos trouxeram as vacinas que puseram fim há dois anos de dor e desespero. Sem contar as vacinas que também deram fim a tantas outras doenças que aterrorizavam nossa sociedade: varíola, peste bubônica, gripe espanhola, paralisia infantil, sarampo...
Quando uma mulher tem dificuldades para engravidar, ela recorre a Mamãe Oxum, a Senhora da gestação, a protetora das crianças em sua primeira infância. Através de Oxum, recebe o amparo de ancestrais da medicina obstétrica e ginecológica, que irão conduzir todo esse tratamento, mediante aos conhecimentos adquiridos, inspirando os médicos que estão se dedicando a realização dessa gravidez.
Quando uma mãe tem dificuldades para educar um filho que se encontra em desvio de conduta e caráter, recorre a Iemanjá, a Senhora de todas as cabeças, a Mãe do lar. Através dela, receberá o amparo dos ancestrais psicólogos e pedagógicos, que por sua vez, levarão conhecimento e novos entendimentos para essa mãe e para os profissionais que ela procura.
Da mesma forma, quando nos deparamos diante de problemas com a justiça, ameaças, traições; recorremos ao Orixá Xangô, o Rei da Umbanda, o Senhor da justiça. Através Dele, receberemos o amparo de ancestrais juízes, advogados, promotores e defensores.
Não à toa, mulheres e homens recorrem às Pombagiras em busca de soluções para seus conflitos amorosos. Afinal, elas bem sabem como é ser desprezada, esnobada, caluniada e ainda assim, ter a capacidade de dar a volta por cima e seguir em frente de cabeça erguida e coração fortalecido. Conhecem a dor de perder um grande amor, mas sabem também o poder que tem o amor-próprio para curar essa dor.
E o que falar dos Pretos e Pretas-Velhas? Esses, os pilares que sustentam o culto aos ancestrais da nossa Umbanda. Com eles aprendemos a perseverança, a paciência, a resiliência... sentimentos indispensáveis para alcançar a sabedoria. Nossos mais velhos, sábios e altivos que nos ensinam o motivo de termos duas orelhas e uma boca: ouvir mais e falar menos. E é preciso muitas vezes saber ouvir o silêncio, para termos as respostas daquilo que só nós podemos nos dar.
Na luta pelos direitos das mulheres à sua independência e autossustento, é a ancestralidade de Iansã quem atua, criando leis que dignifiquem a existência feminina e punam com rigor aos homens maus.
É Nanã Buruquê através de sua poderosa sabedoria ancestral que nos socorre nos momentos de dúvidas e incertezas, decantando sentimentos que prejudicam nossos entendimentos e nos fornecendo elementos novos para tomarmos as decisões acertadas em busca do aprimoramento e paz interior.
Abaixo, segue uma reportagem onde cientistas brasileiros reconhecem a sabedoria dos negros ancestrais, trazidos como escravos para o Brasil:
Escravos negros: primeiros cientistas brasileiros?
Fernanda de Carvalho / AgN/CT
O Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (LASAPE), pertencente ao Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ-UFRJ), sintetizou, através de uma nova metodologia de preparação, o alcalóide indólico beta carbolina, denominado quindolina, uma substância com potente atividade antimalarial. Tal substância é isolada de plantas da família Asclepiadaceae, espécies Cryptolepis, na África, muito utilizada na medicina popular de vários países do continente no tratamento desta endemia tropical.
Sob o viés da Etnobotânica - uma ciência multidisciplinar que estuda o conhecimento tradicional sobre plantas pertencente a uma determinada cultura, etnia ou civilização local -, pesquisadores do LASAPE estão próximos de comprovar que os escravos negros foram os primeiros povos não aborígenes a fazer ciência no Brasil, já que utilizavam plantas com atividade antimalarial para curar seus pacientes. Eles o faziam principalmente quando estavam escondidos na mata atlântica, refugiados nos quilombos, locais de alta incidência de malária naquela época.
Esta medicina alternativa pode ser a resposta para explicar o porquê de os escravos fugidos terem apresentado mais tempo de vida do que os que ainda habitavam as senzalas, mesmo os primeiros estando expostos a doenças endêmicas tropicais e aos conflitos com os mercenários que tentavam, a todo custo, recapturá-los, a mando das autoridades coloniais e dos senhores de engenho.
Provavelmente, no período colonial, quando foram escravizados, os negros trouxeram para o Brasil o saber da sua cultura africana, aprendido com os chamados babalossens: botânicos que dominavam o cultivo das plantas e as suas formulações farmacêuticas, extraindo os princípios ativos e adequando as suas aplicações para cada caso de enfermidade.
- Por que aplicar um emplasto numa ferida? Tomar um chá? Fazer uma inalação? Ou um decocto? A fórmula ou a forma pela qual o princípio ativo da planta age é diferente para cada caso. E esse conhecimento era dominado pelos babalossens. Uns dizem que eram curandeiros, outros que eram botânicos. Eu acho que eles eram pesquisadores atuando numa área multidisciplinar, sem uma academia formal como a UFRJ, que veio surgir muito tempo depois. Talvez, a primeira academia no Brasil tenha sido criada num quilombo -, considera Cláudio Cerqueira Lopes, professor do IQ-UFRJ e coordenador do LASAPE.
Atualmente, o grupo multidisciplinar constituído de professores e alunos do IQ, do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN) e da Faculdade de Farmácia da UFRJ analisa a fração alcaloídica por estudos de cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas de uma planta chamada Carapanaúba (ninho de mosquito, da família Apocynaceae), encontrada em uma comunidade quilombola da localidade de Oriximiná, no estado do Pará, em uma região infestada de malária, a quinze horas de barco da capital Belém.
O extrato da planta foi enviado para análises de CG-EM à Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), com o objetivo de observar se há alguma semelhança entre os alcalóides indólicos nela presentes e os encontrados nas plantas da África, tendo como referência a molécula de um padrão de quindolina sintetizada no LASAPE, IQ-UFRJ.
“Em ambas as plantas, os alcalóides são do mesmo tipo (indólicos) e a família Asclepiadaceae(africana) é parecida do ponto de vista da quimiossistemática vegetal com a família Apocynaceae(do Pará). A questão é: por que um povo usa para uma mesma enfermidade em dois continentes diferentes, plantas que têm o mesmo tipo de classe de substâncias? Alguém pode dizer que é um mero acaso, mas eu defendo que eles sabiam realmente o que estavam fazendo. Já estou quase convencido de que os negros foram os primeiros não aborígenes a fazer ciência no continente sul-americano e acho que isso é um fato muito importante para a nossa história”, afirma Claudio.
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Que texto lindo