top of page

A ANCESTRALIDADE NA UMBANDA

Foto do escritor: Luiz de MirandaLuiz de Miranda

Atualizado: 16 de fev. de 2024


Casal de Pretos-Velhos descansando.

Ao falarmos de ancestralidade na Umbanda, estamos falando daqueles que vieram muito antes de nós e dos nossos, os que prepararam todo caminho, abrindo portas, lutando por direitos, assegurando a justiça, curando doenças, enfrentando preconceitos e até mesmo entregando suas próprias vidas para se manterem fiéis aos seus princípios e valores. Homens e mulheres negros e negras que passaram por essa Terra deixando legados importantes para nosso crescimento e aperfeiçoamento. Afinal, tudo que hoje usufruímos com facilidade, é resultado do trabalho duro e exaustante dessas pessoas que não abriram mão de suas convicções e de suas verdades, para garantirem um futuro melhor a cada um de nós, seus descendentes.

Quando adoecemos e os médicos não conseguem fazer um diagnóstico preciso da doença que nos acomete, recorremos ao Orixá Omolu, o ancestral das doenças e da cura. Através dele, receberemos o amparo de médicos ancestrais, que trabalharam para a descoberta de doenças de difícil diagnóstico e consequentemente o remédio para sua cura. Até onde a ciência vai em termos de cura de doenças, é até aonde os ancestrais da medicina até o momento conseguiram chegar. Muito ainda precisa ser feito, mas não podemos esquecer de tudo que já foi realizado em termos de cura das doenças, até então, incuráveis: hanseníase (lepra), tuberculose, aids, vários tipos de câncer ...

Quando nos vimos diante da terrível pandemia da covid-19, recorremos ao Orixá Oxóssi, o ancestral cientista, o pai do conhecimento e das grandes descobertas científicas. Através Dele, ancestrais cientistas nos trouxeram as vacinas que puseram fim há dois anos de dor e desespero. Sem contar as vacinas que também deram fim a tantas outras doenças que aterrorizavam nossa sociedade: varíola, peste bubônica, gripe espanhola, paralisia infantil, sarampo...

Quando uma mulher tem dificuldades para engravidar, ela recorre a Mamãe Oxum, a Senhora da gestação, a protetora das crianças em sua primeira infância. Através de Oxum, recebe o amparo de ancestrais da medicina obstétrica e ginecológica, que irão conduzir todo esse tratamento, mediante aos conhecimentos adquiridos, inspirando os médicos que estão se dedicando a realização dessa gravidez.

Quando uma mãe tem dificuldades para educar um filho que se encontra em desvio de conduta e caráter, recorre a Iemanjá, a Senhora de todas as cabeças, a Mãe do lar. Através dela, receberá o amparo dos ancestrais psicólogos e pedagógicos, que por sua vez, levarão conhecimento e novos entendimentos para essa mãe e para os profissionais que ela procura.

Da mesma forma, quando nos deparamos diante de problemas com a justiça, ameaças, traições; recorremos ao Orixá Xangô, o Rei da Umbanda, o Senhor da justiça. Através Dele, receberemos o amparo de ancestrais juízes, advogados, promotores e defensores.

Não à toa, mulheres e homens recorrem às Pombagiras em busca de soluções para seus conflitos amorosos. Afinal, elas bem sabem como é ser desprezada, esnobada, caluniada e ainda assim, ter a capacidade de dar a volta por cima e seguir em frente de cabeça erguida e coração fortalecido. Conhecem a dor de perder um grande amor, mas sabem também o poder que tem o amor-próprio para curar essa dor.

E o que falar dos Pretos e Pretas-Velhas? Esses, os pilares que sustentam o culto aos ancestrais da nossa Umbanda. Com eles aprendemos a perseverança, a paciência, a resiliência... sentimentos indispensáveis para alcançar a sabedoria. Nossos mais velhos, sábios e altivos que nos ensinam o motivo de termos duas orelhas e uma boca: ouvir mais e falar menos. E é preciso muitas vezes saber ouvir o silêncio, para termos as respostas daquilo que só nós podemos nos dar.

Na luta pelos direitos das mulheres à sua independência e autossustento, é a ancestralidade de Iansã quem atua, criando leis que dignifiquem a existência feminina e punam com rigor aos homens maus.

É Nanã Buruquê através de sua poderosa sabedoria ancestral que nos socorre nos momentos de dúvidas e incertezas, decantando sentimentos que prejudicam nossos entendimentos e nos fornecendo elementos novos para tomarmos as decisões acertadas em busca do aprimoramento e paz interior.


Abaixo, segue uma reportagem onde cientistas brasileiros reconhecem a sabedoria dos negros ancestrais, trazidos como escravos para o Brasil:



Escravos negros: primeiros cientistas brasileiros?

Fernanda de Carvalho / AgN/CT


O Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (LASAPE), pertencente ao Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ-UFRJ), sintetizou, através de uma nova metodologia de preparação, o alcalóide indólico beta carbolina, denominado quindolina, uma substância com potente atividade antimalarial. Tal substância é isolada de plantas da família Asclepiadaceae, espécies Cryptolepis, na África, muito utilizada na medicina popular de vários países do continente no tratamento desta endemia tropical.

Sob o viés da Etnobotânica - uma ciência multidisciplinar que estuda o conhecimento tradicional sobre plantas pertencente a uma determinada cultura, etnia ou civilização local -, pesquisadores do LASAPE estão próximos de comprovar que os escravos negros foram os primeiros povos não aborígenes a fazer ciência no Brasil, já que utilizavam plantas com atividade antimalarial para curar seus pacientes. Eles o faziam principalmente quando estavam escondidos na mata atlântica, refugiados nos quilombos, locais de alta incidência de malária naquela época.

Esta medicina alternativa pode ser a resposta para explicar o porquê de os escravos fugidos terem apresentado mais tempo de vida do que os que ainda habitavam as senzalas, mesmo os primeiros estando expostos a doenças endêmicas tropicais e aos conflitos com os mercenários que tentavam, a todo custo, recapturá-los, a mando das autoridades coloniais e dos senhores de engenho.

Provavelmente, no período colonial, quando foram escravizados, os negros trouxeram para o Brasil o saber da sua cultura africana, aprendido com os chamados babalossens: botânicos que dominavam o cultivo das plantas e as suas formulações farmacêuticas, extraindo os princípios ativos e adequando as suas aplicações para cada caso de enfermidade.

- Por que aplicar um emplasto numa ferida? Tomar um chá? Fazer uma inalação? Ou um decocto? A fórmula ou a forma pela qual o princípio ativo da planta age é diferente para cada caso. E esse conhecimento era dominado pelos babalossens. Uns dizem que eram curandeiros, outros que eram botânicos. Eu acho que eles eram pesquisadores atuando numa área multidisciplinar, sem uma academia formal como a UFRJ, que veio surgir muito tempo depois. Talvez, a primeira academia no Brasil tenha sido criada num quilombo -, considera Cláudio Cerqueira Lopes, professor do IQ-UFRJ e coordenador do LASAPE.

Atualmente, o grupo multidisciplinar constituído de professores e alunos do IQ, do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN) e da Faculdade de Farmácia da UFRJ analisa a fração alcaloídica por estudos de cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas de uma planta chamada Carapanaúba (ninho de mosquito, da família Apocynaceae), encontrada em uma comunidade quilombola da localidade de Oriximiná, no estado do Pará, em uma região infestada de malária, a quinze horas de barco da capital Belém.

O extrato da planta foi enviado para análises de CG-EM à Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), com o objetivo de observar se há alguma semelhança entre os alcalóides indólicos nela presentes e os encontrados nas plantas da África, tendo como referência a molécula de um padrão de quindolina sintetizada no LASAPE, IQ-UFRJ.

“Em ambas as plantas, os alcalóides são do mesmo tipo (indólicos) e a família Asclepiadaceae(africana) é parecida do ponto de vista da quimiossistemática vegetal com a família Apocynaceae(do Pará). A questão é: por que um povo usa para uma mesma enfermidade em dois continentes diferentes, plantas que têm o mesmo tipo de classe de substâncias? Alguém pode dizer que é um mero acaso, mas eu defendo que eles sabiam realmente o que estavam fazendo. Já estou quase convencido de que os negros foram os primeiros não aborígenes a fazer ciência no continente sul-americano e acho que isso é um fato muito importante para a nossa história”, afirma Claudio.

...

150 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo

1 comentario

Obtuvo 0 de 5 estrellas.
Aún no hay calificaciones

Agrega una calificación
Patricia Martiliano
Patricia Martiliano
18 ago 2023

Que texto lindo

Me gusta

SUA FÉ É RESPEITADA?

          No ano de 1990, meses antes de perder sua irmã de 29 anos de idade para um adenocarcinoma no mediastino, o Pai no Santo passa por uma experiência extremamente desagradável e revoltante, que bem retrata o racismo religioso no Brasil. Isso aconteceu no Iaserj, um hospital para os servidores do Estado do Rio de Janeiro. Era por volta das dezesseis horas. Enquanto acompanhante da irmã, ele decide ir tomar café num bar próximo ao hospital e retorna vinte minutos depois. Tempo que foi suficiente para um pastor entrar no quarto e oferecer uma oração. Voltando então do seu café, ele encontra a irmã que já vinha extremamente debilitada por conta da doença, agora, com semblante ainda mais triste e constrangido. Ele então procura levar palavras de consolo e ânimo, ao que ela responde: “_ Meu irmão, por favor, não quero que esse tipo de religioso venha fazer oração pra mim.” Ele de imediato, pergunta:  “_ O que houve?” Ela então relata o ocorrido: “_ Quando você saiu para tomar seu café, um homem de terno se apresentou como pastor da igreja universal e me perguntou se podia fazer uma oração pra mim, Como ele parecia ser uma boa pessoa e foi muito educado, eu disse que sim. Ele fez a oração, pediu pela minha saúde, e em seguida me perguntou se eu aceitava Jesus Cristo como salvador, e eu respondi que sim. Ele então disse que a partir daquele momento eu estava curada. Só que ele então perguntou qual era minha religião, o que eu respondi, que era espírita. Então ele me disse que eu teria que renegar minha religião. Eu disse que não, jamais iria renegar minha fé. Daí ele falou que infelizmente o câncer voltaria e me levaria pros braços da morte. Eu disse a ele que preferia morrer, a ter que conviver com cristãos como ele. Não quero irmão, não quero esse tipo de gente fazendo oração pra mim.”

            Em outra ocasião, anos depois, o racismo e a intolerância religiosa voltam a atacar o Pai no Santo. Dessa vez, no Hospital Regional Darci Vargas, em Rio Bonito. Indo visitar um Filho de Santo na Unidade Intensiva, o Pai no Santo se depara com uma senhora que estava ao lado do leito de seu filho perguntando se podia fazer uma oração. Como o doente estava sob efeito de fortes medicamentos, não tinha condições de responder; o que fez com que a mulher iniciasse a sua oração. Em voz alta e de tom feroz, ela dizia: “ _ Em nome do Senhor Jesus eu expulso os demônios de Pombagira, Exu, Ogum e todos os demônios dos tambores, das encruzilhadas... .” quando então foi interrompida pelo Pai de Santo; gerando na mulher um comportamento agressivo e ameaçador. Dizia ela, agora em tom mais elevado de voz: “_ Você não pode querer calar a voz de uma ministra de Deus. Seus demônios serão jogados por terra... .” quando então o Pai no Santo pediu ao funcionário responsável pela vigilância da Unidade, que retirasse a mulher do ambiente. No que foi prontamente atendido.

            Esses são dois exemplos dos milhares de outros que acontecem todos os dias, atingindo seguidores das religiões de matriz afro-brasileira. E não é à toa, afinal, não faltam umbandistas que se silenciam diante de tais fatos, e como se não bastasse o silêncio, ainda permitem que seguidores de outras religiões lhes imponham sua fé como sendo superior as demais.

            O Umbandista de fato, sabe sua origem, conhece seus Santos, suas rezas, seus cantos e louvores. Não é de hoje que a Umbanda se livrou do peso do sincretismo, dos santos que nunca foram seus, dos ritos e rituais que nunca lhes pertenceram. O Umbandista de fato, sabe a quem recorrer nas horas de aflição e desespero, e não precisa que outro religioso venha em seu socorro para rezar ou orar. Sim, não precisa! Sabe por quê? Porque o Umbandista sabe que aquela pessoa não está oferecendo uma oração para aliviar teu sofrimento. De forma dissimulada, ela quer que o Umbandista negue sua religiosidade, abandone seus Guias e Orixás. Como pode uma pessoa que frequentemente está na igreja ouvindo e dando glórias a voz de um padre ou pastor, e que não mede palavras para demonizar a Umbanda, orar por quem é Umbandista? De que vale uma oração que sai da mesma boca que chama nossos Santos de demônios?

            O Umbandista de fato, sabe o poder de seus Santos, o sangue que derramaram, o suor sofrido e causticante ardendo na pele preta, o fogo impiedoso das fogueiras da inquisição, a lâmina cortante e afiada das guilhotinas. O Umbandista de fato, sabe que seus ancestrais e antepassados morreram para garantir a liberdade aos seus  descendentes. Trazidos à força e amontoados nos navios negreiros, chegam ao Brasil e são obrigados a se batizarem do lado de fora das Igrejas, porque de acordo com as interpretações bíblicas, o preto era um ser sem alma, amaldiçoado...

            Quando um Umbandista respeita outras manifestações religiosas, não quer dizer que ele tenha que se subjugar. Os Santos da Umbanda também têm suas histórias, sua cultura, suas bênçãos e seus poderes.

            Seu Orixá está vivo e pulsante em você. Não deixe que o matem!

                                                                                                   (Luiz de Miranda-Pai no Santo)

  • facebook-square
  • Twitter Square
  • Google Square
bottom of page