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MULHERES NEGRAS QUE MARCARAM A HISTÓRIA DO BRASIL (II)

Foto do escritor: Luiz de MirandaLuiz de Miranda
Maria Felipa de Oliveira

MARIA FELIPA, HEROÍNA BAIANA, contada pelo acadêmico Eduardo Kruschewsky:

Mesmo tendo sua história contada de geração a geração pelos habitantes de Itaparica, Maria Felipa foi tida como bandoleira, durante anos e anos, por ser negra, mulher e pobre. Se por um lado, a população da ilha se enchia de orgulho, por outro havia o medo de sofrer represálias, a ponto de Dona Zizi, nativa da ilha de Itaparica e uma das suas bisnetas, acreditar que seria presa se contasse a estranhos as façanhas de sua antepassada…

Sua história estaria fadada ao esquecimento se, a partir de 2005, pesquisadores que estudaram a vida da personagem, não houvessem feito um trabalho de reconstituição histórica, incentivado pela prefeitura local de Itaparica-Bahia. Para isto não faltaram documentos raros, encontrados em arquivos dentro e fora da ilha e, assim, fazendo surgir, embora ainda cercada de mistérios e lendas, a história de uma verdadeira heroína que parecia condenada a ficar “deitada eternamente em berço esplêndido”, sem ser revelada para o mundo.


Diziam os mais antigos que Maria Felipa era uma bela mulher! Nascida na Ilha de Itaparica, era muito atraente e, além do elegante porte físico, conhecida como valente e possuía habilidades de capoeirista. Descendente de africanos sudaneses, vivia da comercialização de mariscos. Tinha, então, na época da Guerra pela Independência da Bahia, a idade presumida de 22/23 anos. Esta mulher simples é um dos alicerces da liberdade em nosso país…

...

Maria Felipa, liderando 40 valentes mulheres, aproximou-se da Praia de Manguinhos, onde estava ancorada a Canhoneira Dez de Fevereiro. Era o dia 1º de outubro de 1822, e este dia ficaria marcado por ter acontecido o primeiro dos seus ataques às 42 embarcações portuguesas. Chamou duas das suas comandadas e ordenou que estas se aproximassem dos vigias da canhoneira, os portugueses Araujo Mendes e Guimarães das Uvas. Esbanjando feminilidade as nativas se aproximaram do navio e seduziram os vigias, conduzindo-os para um local um pouco distante, entre beijos e carícias. Ao tirar as roupas, foram surpreendidos pelo grupo de mulheres que os surraram com galhos da planta conhecida como cansanção, repletos de espinhos. Após acabar com a vigília dos invasores, tomaram o navio de surpresa, enquanto a maioria dos tripulantes dormia e atearam fogo à embarcação.Depois do sucesso desta missão, as mulheres lideradas por Maria Felipa ganharam a companhia de homens nativos e partiram para a destruição das embarcações portuguesas, ancoradas nas imediações da ilha, aguardando a ordem para invadir Salvador e reprimir as ações pela independência baiana. Sorrateiramente, os guerrilheiros se aproximaram dos navios e os incendiaram, causando baixas significativas no exército português.Incansável, Felipa estava sempre à frente do seu pequeno exército nativo. Conta-nos Xavier Marques em seu romance “O Sargento Pedro” que os homens estavam se preparando para um ataque português cavando uma trincheira na praia, iluminados apenas por uma tocha em mãos de Maria quando um deles disse: “- Estou cavando a minha cova!” ao que, de pronto, a mulher respondeu: “- Cave, não para ser a sua cova, mas a dos portugueses…”Ela estava em todos os lugares à frente dos seus combatentes. Além dos feitos de batalha, ela ainda distribuía mantimentos tomados dos inimigos para cidades do Recôncavo, como Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, Amargosa, Nazaré, Salinas das Margaridas, Cruz das Almas e outras. Portando peixeiras e galhos de cansanção, e incendiando navios com tochas feitas de palha de coco e chumbo, à falta de armas mais eficientes, tornando o povo itapacaricano fundamental para a Independência da Bahia e do Brasil. O bando era um grupo de mulheres e homens de diferentes etnias.

...

O atestado de óbito de Maria Felipa é datado de 04 de janeiro de 1873, 49 anos após o seu primeiro feito heroico: o incêndio da canhoneira Dez de Fevereiro, em 01.10.1822… isto nos faz ver que, após a luta da Independência, ela continuou a levar sua vida simples de marisqueira na ilha, até morrer. Como foi para o anonimato após todos os seus atos de heroísmo, pensava-se que havia falecido na guerra. Mas, a mulher simples, negra e pobre sobreviveu às batalhas e, tempos depois, teve uma filha, também chamada Maria Felipa, que era parteira e tornou-se avó de dona Zizi, a quem nos referimos no começo da narrativa. O ano exato e as circunstâncias do seu nascimento continuam um mistério. Ninguém sabe se foi uma negra alforriada, uma escrava ou se nasceu livre. Para o povo itaparicano ela nasceu, provavelmente, livre. Isto se supõe pelo fato de ter se oferecido como voluntária para espionar as tropas portuguesas e por sua atuação na resistência e luta pela liberdade da pátria…


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SUA FÉ É RESPEITADA?

          No ano de 1990, meses antes de perder sua irmã de 29 anos de idade para um adenocarcinoma no mediastino, o Pai no Santo passa por uma experiência extremamente desagradável e revoltante, que bem retrata o racismo religioso no Brasil. Isso aconteceu no Iaserj, um hospital para os servidores do Estado do Rio de Janeiro. Era por volta das dezesseis horas. Enquanto acompanhante da irmã, ele decide ir tomar café num bar próximo ao hospital e retorna vinte minutos depois. Tempo que foi suficiente para um pastor entrar no quarto e oferecer uma oração. Voltando então do seu café, ele encontra a irmã que já vinha extremamente debilitada por conta da doença, agora, com semblante ainda mais triste e constrangido. Ele então procura levar palavras de consolo e ânimo, ao que ela responde: “_ Meu irmão, por favor, não quero que esse tipo de religioso venha fazer oração pra mim.” Ele de imediato, pergunta:  “_ O que houve?” Ela então relata o ocorrido: “_ Quando você saiu para tomar seu café, um homem de terno se apresentou como pastor da igreja universal e me perguntou se podia fazer uma oração pra mim, Como ele parecia ser uma boa pessoa e foi muito educado, eu disse que sim. Ele fez a oração, pediu pela minha saúde, e em seguida me perguntou se eu aceitava Jesus Cristo como salvador, e eu respondi que sim. Ele então disse que a partir daquele momento eu estava curada. Só que ele então perguntou qual era minha religião, o que eu respondi, que era espírita. Então ele me disse que eu teria que renegar minha religião. Eu disse que não, jamais iria renegar minha fé. Daí ele falou que infelizmente o câncer voltaria e me levaria pros braços da morte. Eu disse a ele que preferia morrer, a ter que conviver com cristãos como ele. Não quero irmão, não quero esse tipo de gente fazendo oração pra mim.”

            Em outra ocasião, anos depois, o racismo e a intolerância religiosa voltam a atacar o Pai no Santo. Dessa vez, no Hospital Regional Darci Vargas, em Rio Bonito. Indo visitar um Filho de Santo na Unidade Intensiva, o Pai no Santo se depara com uma senhora que estava ao lado do leito de seu filho perguntando se podia fazer uma oração. Como o doente estava sob efeito de fortes medicamentos, não tinha condições de responder; o que fez com que a mulher iniciasse a sua oração. Em voz alta e de tom feroz, ela dizia: “ _ Em nome do Senhor Jesus eu expulso os demônios de Pombagira, Exu, Ogum e todos os demônios dos tambores, das encruzilhadas... .” quando então foi interrompida pelo Pai de Santo; gerando na mulher um comportamento agressivo e ameaçador. Dizia ela, agora em tom mais elevado de voz: “_ Você não pode querer calar a voz de uma ministra de Deus. Seus demônios serão jogados por terra... .” quando então o Pai no Santo pediu ao funcionário responsável pela vigilância da Unidade, que retirasse a mulher do ambiente. No que foi prontamente atendido.

            Esses são dois exemplos dos milhares de outros que acontecem todos os dias, atingindo seguidores das religiões de matriz afro-brasileira. E não é à toa, afinal, não faltam umbandistas que se silenciam diante de tais fatos, e como se não bastasse o silêncio, ainda permitem que seguidores de outras religiões lhes imponham sua fé como sendo superior as demais.

            O Umbandista de fato, sabe sua origem, conhece seus Santos, suas rezas, seus cantos e louvores. Não é de hoje que a Umbanda se livrou do peso do sincretismo, dos santos que nunca foram seus, dos ritos e rituais que nunca lhes pertenceram. O Umbandista de fato, sabe a quem recorrer nas horas de aflição e desespero, e não precisa que outro religioso venha em seu socorro para rezar ou orar. Sim, não precisa! Sabe por quê? Porque o Umbandista sabe que aquela pessoa não está oferecendo uma oração para aliviar teu sofrimento. De forma dissimulada, ela quer que o Umbandista negue sua religiosidade, abandone seus Guias e Orixás. Como pode uma pessoa que frequentemente está na igreja ouvindo e dando glórias a voz de um padre ou pastor, e que não mede palavras para demonizar a Umbanda, orar por quem é Umbandista? De que vale uma oração que sai da mesma boca que chama nossos Santos de demônios?

            O Umbandista de fato, sabe o poder de seus Santos, o sangue que derramaram, o suor sofrido e causticante ardendo na pele preta, o fogo impiedoso das fogueiras da inquisição, a lâmina cortante e afiada das guilhotinas. O Umbandista de fato, sabe que seus ancestrais e antepassados morreram para garantir a liberdade aos seus  descendentes. Trazidos à força e amontoados nos navios negreiros, chegam ao Brasil e são obrigados a se batizarem do lado de fora das Igrejas, porque de acordo com as interpretações bíblicas, o preto era um ser sem alma, amaldiçoado...

            Quando um Umbandista respeita outras manifestações religiosas, não quer dizer que ele tenha que se subjugar. Os Santos da Umbanda também têm suas histórias, sua cultura, suas bênçãos e seus poderes.

            Seu Orixá está vivo e pulsante em você. Não deixe que o matem!

                                                                                                   (Luiz de Miranda-Pai no Santo)

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